Desembargadores e juízes respondem Procedimentos Administrativos Disciplinares e tiveram contas bloqueadas. Desde outubro de 2022, conselheiros viram indícios de irregularidades em período eleitoral e postagens na internet. Pelo menos oito juízes e desembargadores foram alvo de investigações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no último ano após denúncias de violações de deveres funcionais da magistratura por manifestações de cunho político-partidário em redes sociais, e também desvio de condutas como autopromoção e superexposição. As apurações começaram em outubro de 2022, quando foram realizadas as eleições presidenciais no Brasil.
Os magistrados fazem parte da Justiça comum, Federal e também do Trabalho, em diferentes estados, como São Paulo, Minas Gerais, Amazonas e Rio de Janeiro. Desde o fim de 2022, parte deles já teve aprovada a abertura de Procedimentos Administrativos Disciplinares (PADs) e/ou bloqueio dos perfis nas redes sociais, mesmo que temporariamente.
O CNJ se baseou em duas normas: uma de 2022, que rege sobre condutas e procedimentos dos magistrados e tribunais brasileiros no período eleitoral e posteriormente a ele, e outra resolução de 2019, que definiu as regras para uso das redes sociais.
Processo por fake news
Um dos magistrados investigados é o desembargador Marcelo Lima Buhatem, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) e, à época, presidente da Associação Nacional dos Desembargadores (ANDES). Buhatem teve os perfis de duas redes sociais suspensos após compartilhar, em sua lista de transmissão no WhatsApp, material contendo fake news sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à época candidato à Presidência da República.
Na sessão do CNJ de terça-feira (31), os conselheiros aprovaram por unanimidade a abertura de PAD contra Buhatem. Segundo o ministro relator Luis Felipe Salomão, que também é corregedor nacional de justiça, os atos praticados nas redes sociais do desembargador são graves.
Além das publicações com conteúdo político-partidário, Salomão citou em seu voto outras possíveis infrações que deverão ser apuradas pelo CNJ, como paralisação irregular de prazo de processos, ausência de declaração de suspeição em ações. O relator informou aos conselheiros que o desembargador pediu licença do TJ-RJ e está afastado, mas requisitou bloqueio das redes sociais e quebra de sigilo bancário de Buhatem. O desembargador foi procurado pelo blog, mas não retornou.
Juiz 'coach' nas redes
Um outro juiz do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) pediu exoneração e passou a dar aulas e vender cursos nas redes sociais. Em julho, ele teve a Corregedoria Nacional de Justiça determinou, cautelarmente, a suspensão dos perfis dele nas redes sociais para analisar suspeita de que o magistrado estaria atuando como coach, expondo técnicas e meios para advogados obterem uma "performance" melhor na tramitação de seus recursos.
O CNJ também avalia se o juiz busca a autopromoção ou a superexposição, condutas expressamente proibidas pelo Código de Ética da Magistratura. Entre as várias postagens, o juiz anuncia a "fórmula" para diminuir tempo de tramitação dos processos, aumentar procedência dos pedidos, com honorários maiores e crescimento profissional. O magistrado foi juiz federal por 19 anos e tem quase 100 mil seguidores apenas em uma rede social.
Postagens de cunho político
Em setembro, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça aprovou, por unanimidade, a abertura de outros processos administrativos disciplinares para apurar denúncias de violações de deveres funcionais da magistratura por manifestações de cunho político em redes sociais. As postagens teriam ocorrido no contexto do último período eleitoral, em 2022, mas as duas decisões descartaram a necessidade dos afastamentos imediatos dos cargos.
Nos votos apresentados para as duas reclamações disciplinares, o relator e corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, pediu a apuração dos fatos e ressaltou que liberdade de expressão não se constitui como direito absoluto. "Ao publicar diversas mensagens de forma independente e sem observar o regramento a que é submetido, há indícios de que o magistrado violou o seu dever funcional", registrou o ministro Salomão.
Uma juíza do Tribunal de Justiça (TJ) do Amazonas, foi alvo de uma dessas reclamações disciplinares após ter, "explicitamente, em mais de um post", declarado voto à Luiz Inácio Lula da Silva, então candidato à Presidência da República.
"Se você estava pensando em anular o seu voto no dia 30/10, pense se é isso mesmo que você deseja que continue acontecendo no nosso país. Se para você tanto faz, pode anular seu voto. Se esse quadro te afigura absurdo, vote no 13 porque só assim podemos mudar esse cenário dantesco", postou.
Ainda segundo o CNJ, a magistrada fez críticas a Jair Bolsonaro (PL), adversário de Lula (PT) nas eleições e citou que o Brasil estaria sob desgoverno. O processo reúne em quatro páginas reproduções de publicações feitas pela magistrada.
Um desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), de Campinas (SP), também fez publicações em favor de um dos candidatos, tecendo comentários de cunho ofensivo acerca de características político-partidárias e ideologia da campanha eleitoral.
Já no processo de um desembargador da 3ª Vara Criminal e da Infância e Juventude da comarca de Santa Luzia (MG), a Corregedoria-Geral de Justiça do estado de Minas Gerais informou que ele teria publicado, em uma rede social, postagem sobre sua atuação como juiz eleitoral no primeiro turno e se queixado de que a fiscalização no pleito era "pre-formatada pelo TSE". De acordo com o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), um processo administrativo disciplinar foi instaurado contra o magistrado, com afastamento de suas funções eleitorais.
Uma juíza do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) também teve reclamação disciplinar aberta após manifestação em redes sociais durante o período eleitoral. Nas postagens, ela fez críticas a militantes de um partido, à posição ideológica do técnico da seleção brasileira de futebol e a emissora de televisão, além de possível incitação à participação em manifestações que ocorriam no contexto eleitoral. Como nos dois outros casos, a conta de usuário da juíza na rede social foi bloqueada por determinação da Corregedoria Nacional. O conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello pediu vista desse processo.
Outros indícios de negligência na gestão e o desvio de conduta nas redes sociais foram usados como elementos para a abertura de processos administrativos contra uma juíza de Vara Criminal, de Júri e de Infância e Juventude de Unaí (MG). Em fevereiro, o Plenário do CNJ aprovou por unanimidade a abertura de dois processos administrativos disciplinares contra a magistrada, com o afastamento cautelar de suas funções.
De acordo com o relatório do corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, a juíza também não cumpriu seus deveres básicos, deixando de comparecer ao fórum mesmo tendo o teletrabalho expressamente negado pelo tribunal, negligenciando a gestão do cartório e deixando de fiscalizar os atos de seus subordinados.
Outro juiz, que atua no Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, foi alvo de um processo administrativo após a suspeita de participação de atividade de cunho político-partidária em suas redes sociais. Ele teve as contas nas redes suspensas, que foram liberadas meses depois.