Sem posicionamentos divergentes, evento foi dominado por representantes da oposição e pessoas favoráveis a maiores restrições para interrupção de gravidez. Plenário principal da Casa chegou a ser utilizado para encenações e exibição de imagens de procedimentos reais. Dominado por parlamentares da oposição e sem contrapontos, o plenário principal do Senado foi palco nesta segunda-feira (17) de uma sessão para discutir um procedimento legal de interrupção de gravidez.
Anunciado como um debate, o evento contou, porém, somente com representantes de um lado da discussão: entidades e representantes da sociedade civil favoráveis a restrições para a chamada assistolia fetal.
Entre declarações contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e críticas ao "outro lado", reinaram na sessão discursos que questionaram a autonomia de mulheres vítimas de violência em decidir pelo aborto legal acima de 22 semanas de gestação.
Por diversas vezes, houve falas em apoio à proposta, em discussão na Câmara dos Deputados, que equipara o aborto ao crime de homicídio.
Autoproclamados defensores da vida "em qualquer fase" encenações e simulações de abortos, com fetos de plástico.
Visitado nesta manhã por crianças de dez a 12 anos e estudantes de direito de Brasília, o plenário também foi utilizado para a exibição de imagens de procedimentos reais levadas pelo ex-secretário de Atenção à Saúde Primária do governo de Jair Bolsonaro (PL) Raphael Câmara.
O conteúdo não chegou a ser apresentado integralmente por problemas técnicos. Também não foi exibido na transmissão oficial da TV Senado, que decidiu não veicular as imagens por avaliar que poderia haver eventual responsabilização.
Um dos senadores mais ativos na causa contra o aborto, Eduardo Girão (Novo-CE), conhecido por carregar consigo fetos de plástico, foi o organizador da sessão.Girão inflamou os seus discursos com falas contra o Supremo e questionando a legitimidade de procedimentos de interrupção de gravidez acima das 22 semanas.
"A barriga, o ventre começa a crescer, a mulher começa a mudar. Precisa esperar, depois de um estupro, até as 22 semanas para fazer o procedimento para o qual não existe a pena – do aborto em caso de estupro? Não é aborto legal, esse é um termo que é utilizado e equivocadamente", declarou o parlamentar em uma de suas intervenções.
O evento ocorrido nesta segunda leva em conta dois contextos centrais:
uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que derrubou resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), que proibia a assistolia para interromper gravidezes com mais de 22 semanas
e a aprovação de um requerimento de urgência para levar diretamente ao plenário da Câmara a análise de um projeto que criminaliza a assistolia fetal acima de 22 semanas, inclusive em casos de estupro
Sem divergências de ideias nesta segunda, uma maioria masculina de convidados defendeu restrições a procedimentos de interrupção de gravidez.
Ao defender a resolução do CFM derrubada por Moraes, o presidente da instituição, José Hiran da Silva Gallo, defendeu que não há autonomia para mulheres que decidem abortar em gestações com 22 semanas.
"Afinal, até que ponto a prática da assistolia fetal em gestação acima de 22 semanas traz benefício e não causa malefício? Esta é a pergunta. Só causa malefício. Nesse campo, o direito à autonomia da mulher esbarra, sem dúvida, no dever constitucional imposto a todos nós de proteger a vida de qualquer um, mesmo um ser humano formado com 22 semanas", declarou.
Esta não foi a primeira vez que os plenários principais do Congresso receberam performances e discursos favoráveis a maiores restrições no aborto. Uma sessão conjunta da Câmara e do Senado, realizada em 28 de maio, foi palco de uma simulação de sete parlamentares de um procedimento legal de aborto. Na última semana, dois antes de a Câmara aprovar a urgência para a proposta que trata do tema, a Casa foi utilizada para homenagear o Movimento Pró-Vida. Nas duas ocasiões, os movimentos não receberam oposição ou qualquer tipo de protesto contrário.
O alvo central dos debates em curso no Congresso é a chamada assistolia fetal, que consiste em uma injeção de produtos para induzir a parada do batimento do coração do feto antes de ser retirado do útero da mulher.
O procedimento — utilizado para interromper gestações decorrentes, por exemplo, de estupros — é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para casos de aborto legal acima de 22 semanas.
A legislação brasileira não prevê, no entanto, um marco de tempo gestacional (semanas de gestação) para os casos de interrupção legal da gravidez.
A resolução do CFM derrubada por Moraes buscava proibir a realização de procedimentos acima das 22 semanas. Em sua decisão, o ministro considerou que havia indícios de que a edição da resolução foi além dos limites da legislação.
A saída encontrada pelos movimentos conservadores de parlamentares foi um projeto, apresentado por um dos líderes da bancada evangélica na Câmara, para criminalizar o aborto a partir das 23 semanas, inclusive para mulheres que foram violentadas sexualmente.