Obras e planos foram incluídos no PAC em 2012 e têm sido adiados; pelo menos três poderiam ajudar a mitigar impacto das chuvas atuais. Verba é federal, mas execução cabe a estado e municípios. Alagamento em Porto Alegre
REUTERS/Diego Vara
O Rio Grande do Sul tem projetos de prevenção a enchentes iniciados em 2012 e que até hoje não saíram do papel ou não foram concluídos. São propostas para megaobras de controle de água das chuvas com o objetivo de evitar enxurradas e alagamentos.
Dilma Rousseff estava no segundo ano do primeiro mandato como presidente da República quando essas ideias foram aprovadas e incluídas no antigo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mais de 11 anos se passaram e os contratos continuam em aberto.
A reportagem da TV Globo e g1 identificou pelo menos cinco desses grandes projetos, sendo que ao menos três poderiam ajudar a mitigar impacto das chuvas deste ano. Outros dois projetos, embora não tivessem o poder de ajudar a conter as enchentes atuais, também são ligados à prevenção de desastres ambientais. E, assim como os três primeiros, estão atrasados.
Cidades do sul do Rio Grande do Sul se preparam pra pior semana desde o início dos temporais.
O levantamento foi feito com base em informações do Tribunal de Contas da União (TCU). O órgão inclusive já chegou a abrir processos, em 2016 e 2019, sobre dois empreendimentos e apontou falhas e risco de atraso no cumprimento dos prazos.
O governo Dilma assinou os convênios com o governo do estado do Rio Grande do Sul e a prefeitura de Porto Alegre ainda em 2012. Os empreendimentos e os valores liberados na época são os seguintes:
Ampliação do sistema de macrodrenagem da bacia do Arroio da Areia para amenizar alagamentos históricos e acúmulos de água em 14 bairros de Porto Alegre. Contrato: R$ 76.065.538,51 (valor atualizado: R$ 151 milhões);
Controle de cheias do Rio Gravataí e do Arroio Feijó: construção de 40 Km de diques, casas de bombas, desapropriações e recuperação urbano-ambiental. Contrato: R$ 226 milhões (valor atualizado: R$ 451 milhões);
Elaboração de estudos e projetos de engenharia para prevenção e combate às inundações no Rio Jacuí. Contrato: R$ 5 milhões (valor atualizado: R$ 10 milhões);
Elaboração de estudos e projetos de engenharia para construção da Barragem da Lagoa da Anastácia para regularização de vazões e amortecimento de cheias. Contrato: R$ 15 milhões (valor atualizado: R$ 30 milhões);
Elaboração de estudos e projetos de engenharia para macrodrenagem na Bacia do Rio Rolante — Barragem S 38. Contrato: R$ 10 milhões (valor atualizado: R$ 20 milhões).
Apenas os dois primeiros já previam recursos para obras. Mesmo nos outros três casos, que são de preparação para os empreendimentos, as construções não foram iniciadas. Os prazos têm sido adiados.
Segundo especialistas, os projetos no Rio Gravataí e do Arroio Feijó, além da região do Rio Jacuí e Bacia do Rio Rolante poderiam ter reduzido os danos causados pelas chuvas das últimas semanas.
Prevenção de desastres
Marcelo Dutra, ecólogo e doutor em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que a falta de conclusão da obra na bacia do Arroio da Areia, em Porto Alegre, pode ter piorado a situação da inundação, deixando a cidade vulnerável.
A macrodrenagem instala reservatórios para armazenar o volume de água das chuvas. Elas são importantes para ajudar a controlar a possibilidade de alagamento nas cidades.
Já para os estudos e projetos que visam o controle de cheias e prevenção de inundação, Dutra explica que são obras significativas e que deveriam ter sido tiradas do papel.
"A cidade precisa aprender a estar numa posição que ela esteja protegida desse fluxo intenso do corpo hídrico mesmo em condições favoráveis, porque o pulso de inundação sempre pode acontecer, basta ter uma chuva volumosa", afirmou.
Para ele, o Rio Grande do Sul — que agora recebeu alívio na dívida e recursos para reconstrução — deveria usar a verba para concluir esses projetos de 2012. Além disso, as administrações públicas precisam pensar também num planejamento mais seguro para as cidades.
"Obras devem vir acompanhadas de uma mudança de organização da cidade. Que não pode continuar fazendo essas obras e seguirem ocupando áreas vulneráveis, sensíveis, expostas e sujeitas à invasão das águas", explicou.
Motivo dos atrasos
Os cinco contratos foram firmados com o Ministério das Cidades, que concentra a maioria dos recursos de prevenção a desastres.
A pasta diz que os responsáveis pela execução dos projetos são o governo estadual e a prefeitura de Porto Alegre. "O Ministério das Cidades libera os recursos conforme o cumprimento das etapas previstas em cada TC [termo de compromisso] pelos entes federados", informou em nota.
Segundo o órgão, "alguns desses projetos sofreram atraso por conta da etapa de estudos ambientais", que são de responsabilidade da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), órgão do governo estadual do Rio Grande do Sul.
O Ministério das Cidades disse ainda que apenas as obras de macrodrenagem da bacia do Arroio da Areia — projeto que já está em execução — migrou para o Novo PAC e conclusão do empreendimento está prevista para dezembro de 2025.
A pasta não deixou claro se haverá uma nova prorrogação do contrato, pois atualmente a previsão de fim da vigência é dezembro de 2024. Até hoje, pouco mais da metade do valor do convênio, que começou em 2012, foi repassado.
O TCU informou que todos os projetos citados são financiados com recursos federais. Apenas no caso da macrodrenagem da bacia do Arroio da Areia há contrapartida do município de Porto Alegre. A prefeitura ainda não se manifestou sobre o atraso.
O governo do estado do Rio Grande do Sul, responsável pelos outros quatro projetos, disse que "todos os processos questionados estão tramitando, no entanto, houve a necessidade de reavaliação de prioridades e direcionamento de recursos devido a trocas de gestão na esfera federal e da calamidade pública da pandemia de Covid-19".
Hospital destruído pelas enchentes em no Canoas, Rio Grande do Sul
REUTERS/Diego Vara
Auditorias do TCU
O órgão de controle fez um relatório em 2019 sobre a obra na bacia do Arroio da Areia, em Porto Alegre, e já apontava risco de não cumprimento dos prazos. A previsão de conclusão era, até então, agosto de 2022.
"Como constatação, esse trabalho identificou a existência de atrasos, em especial na etapa de aprovação dos projetos, que podem vir a comprometer o prazo de entrega das obras, qual seja, 14/8/2022. Atualmente, o empreendimento se encontra em seu 15º mês de execução e apresenta apenas 6,05% de evolução, ao passo que o cronograma original previa, para o mesmo período, 27,96%", diz trecho do acórdão do TCU.
Em 2016, foi a vez de o TCU analisar o megaprojeto para controle de cheias do Rio Gravataí e do Arroio Feijó. O documento detalhou as etapas do empreendimento, em valores da época:
1ª Etapa: estudos de concepção e anteprojeto de engenharia (R$ 4 milhões);
2ª Etapa: estudos ambientais (R$ 1,5 milhão); e
3ª Etapa: detalhamento dos projetos e planos (R$ 4,5 milhões) e execução de obra (mais de R$ 210 milhões).
O TCU havia ressaltado que cláusulas do edital para a primeira etapa poderiam restringir a competitividade e encontrou outras falhas. Mas o órgão decidiu fazer alertas para as áreas responsáveis no governo gaúcho e deixou o processo seguir.
Até hoje, em 2024, o projeto só passou pelas duas primeiras etapas.
A Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan) já apontava, em 2016, que houve prejuízos com a cheia do rio Gravataí entre agosto e setembro de 2013, especialmente na região metropolitana de Porto Alegre.
"Essa população ribeirinha, de baixo poder aquisitivo e grande vulnerabilidade, é afetada com grande frequência pelas inundações, agravando ainda mais as suas condições sociais e econômicas, mantendo ainda mais distante do padrão econômico e social do restante da RMPA [região metropolitana", dizia o documento de quase oito anos atrás.