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Tentativa de golpe de Estado: como Bolsonaro aparece nas investigações e o que diz o ex-presidente

Polícia Federal descobriu, entre outros elementos, vídeo de reunião em que Bolsonaro diz a ministros que não podem esperar o resultado da eleição para agir.

Por André Miranda

09/02/2024 às 17:54:29 - Atualizado há
Polícia Federal descobriu, entre outros elementos, vídeo de reunião em que Bolsonaro diz a ministros que não podem esperar o resultado da eleição para agir. Defesa diz que ex-presidente nunca pensou em golpe. O ex-presidente Jair Bolsonaro foi um dos alvos de buscas e apreensões da Polícia Federal nesta quinta-feira (8). A operação da PF investiga Bolsonaro, aliados e militares do entorno próximo por suspeita de se organizarem para tentar um golpe de Estado e espalhar informações falsas visando minar as instituições.

A PF descobriu, por exemplo, a gravação de uma reunião, em julho de 2022, em que Bolsonaro convoca seus ministros para discutir estratégias que evitassem derrota nas eleições. Àquela altura, Bolsonaro prevê que poderia perder a disputa e pede para os ministros acionarem "o plano B".

Na mesma reunião, um de seus auxiliares mais próximos, general Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), defende que a "mesa" tinha que ser virada logo, antes do resultado das eleições.

A PF ainda encontrou, no gabinete de Bolsonaro na sede do PL, um documento com conteúdo golpista que anunciaria a decretação de um estado de sítio e a imposição da garantia da lei e da ordem no país.

Em reunião sobre eleições, Bolsonaro diz que é preciso colocar em 'prática' um 'plano B'

Para investigadores, a operação desta quinta chega a um ponto inédito, porque nunca antes houve elementos que colocassem Bolsonaro tão dentro das tratativas golpistas. Aliados do ex-presidente, por sua vez, alegam que ele não diz especificamente que quer o golpe:

O documento sobre estado de sítio achado na sede PL, mesmo que não tenha nomes nem assinaturas, estava na sala usada por Bolsonaro e citava expressões usadas por ele, como 'quatro linhas da constituição'. A defesa do ex-presidente nega que fosse um documento com fins golpistas e diz que, na verdade, era uma cópia de um arquivo que faz parte das investigações e que foi impresso para que Bolsonaro pudesse ler.

A minuta golpista que previa a prisão de Pacheco e de ministros aparece nas investigações a partir de conversas de auxiliares próximos de Bolsonaro. Apesar de a defesa dizer que não há indícios da participação de Bolsonaro, os próprios auxiliares comentam nas conversas que o ex-presidente teve acesso ao texto.

Bolsonaro aparece em um vídeo cobrando ministros e militares a agirem antes das eleições, alegando que depois 'vira guerrilha', fala em plano B e ouve aliados defendendo 'virar mesa'. O então presidente não especifica qual ação quer tomar. Quando Heleno fala em espionagem da Abin e risco de essa reunião vazar, Bolsonaro o interrompe e pede para conversarem em privado.

Por meio de seus advogados, Bolsonaro disse que nunca compactuou com ideias golpistas. A defesa do presidente também afirmou que o documento golpista estava com ele no PL porque foi enviado pelos próprios advogados (detalhes mais abaixo).

Veja como Bolsonaro aparece nas investigações sobre a trama golpista:

Minuta do golpe

A PF descobriu uma minuta de decreto golpista que previa a prisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além da prisão do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A minuta também previa a realização de novas eleições. A PF obteve conversas de aliados do ex-presidente discutindo a minuta em novembro e dezembro de 2022, pouco antes de Bolsonaro deixar o poder.

Segundo a PF, Bolsonaro teve acesso ao documento — por meio do então assessor especial da Presidência, Filipe Martins, e do advogado Amauri Feres Saad — e pediu modificações no texto.

"Os elementos informativos colhidos revelaram que Jair Bolsonaro recebeu uma minuta de decreto apresentado por Filipe Martins e Amauri Feres Saad para executar um golpe de Estado, detalhando supostas interferências do Poder Judiciário no Poder Executivo", diz o inquérito.

Ao discutir a minuta, de acordo com a investigação da Polícia Federal, o ex-presidente pediu a retirada dos nomes de Gilmar e Pacheco.

A participação de Bolsonaro é comprovada, segundo a corporação, por mensagens obtidas com o ex-ajudante de ordens da Presidência Mauro Cid, um dos assessores mais próximos de Bolsonaro.

Segundo Moraes, responsável pelo inquérito, a minuta foi "objeto de uma série de reuniões realizada no Palácio do Planalto, para debates e ajustes do texto bem como apresentação aos comandantes das Forças Militares, mostrando-se irrefutável sua posição de destaque quanto aos aspectos jurídicos das medidas voltadas à ruptura institucional".

Minuta golpista previa prisão de Gilmar, Pacheco e Moraes

Com base nos diálogos de Cid, Alexandre de Moraes aponta, ainda, que Jair Bolsonaro abandonou a "aceitação da derrota" e passou a planejar uma "virada de jogo".

Em um áudio enviado pelo então ajudante de ordens de Bolsonaro ao então comandante do Exército, general Freire Gomes, Cid afirmou que o presidente vinha sendo pressionado a tomar uma medida "mais pesada".

"Hoje, o que que ele fez hoje de manhã? Ele enxugou o decreto, né? Aqueles considerando [termo técnico] que o senhor viu, e enxugou o decreto, fez um decreto muito mais resumido, né? [...] Porque se não for, se a Força não incendiar, é o status quo mantém aí como o que estava previsto, que estava sendo feito, que estava sendo levado nas reuniões em consideração, tá?", afirmou Cid na mensagem.

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Documento no gabinete

Além da minuta, o ex-presidente foi implicado em um outro documento de cunho golpista. O texto foi apreendido pela PF dentro do gabinete de Bolsonaro, na sede do PL, em Brasília

O documento defende e anuncia a decretação de um estado de sítio e de uma operação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no país. O texto não está assinado.

"Afinal, diante de todo o exposto, e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o estado de Sítio e, como ato contínuo, decreto operação de garantia da lei e da ordem", diz o documento.

Reunião ministerial

Bolsonaro convocou ministros a agirem antes das eleições

Jair Bolsonaro aparece ainda em outro elemento da investigação conduzida pela PF. Então presidente, ele conduziu, em julho de 2022, uma reunião com ministros para discutir medidas antes das eleições.

No vídeo, tornado público nesta sexta (9), Bolsonaro diz aos ministros que é preciso fazer "alguma coisa antes" do pleito. O ex-presidente considera que vai perder as eleições e cobra atitude dos aliados.

"Nós não podemos, pessoal, deixar chegar as eleições e acontecer o que está pintado, está pintado. Eu parei de falar em voto imp... [ele não conclui a palavra 'impresso'] e eleições há umas três semanas. Vocês estão vendo agora que... Eu acho que chegaram à conclusão. A gente vai ter que fazer alguma coisa antes", afirma o então presidente.

Bolsonaro também conclama os aliados a partirem para o "plano B".

"Só pra gente prestar atenção. [...] A fotografia que pintar no dia 2 de outubro [dia da eleição], acabou, porra! Quer mais claro do que isso? Nós estamos fazendo a coisa certa, mas o plano B, tem que botar em prática agora", afirmou Bolsonaro.

"Nós sabemos que, se a gente reagir depois das eleições, vai ter um caos no Brasil, vai virar uma grande guerrilha, uma fogueira no Brasil. Agora, alguém tem dúvida que a esquerda, como está indo, vai ganhar as eleições? Não adianta eu ter 80% dos votos. Eles vão ganhar as eleições", diz Bolsonaro.

Em outro trecho, também em referência às eleições, Bolsonaro cobra ações dos ministros.

"Alguém tem dúvida do que vai acontecer no dia 2 de outubro? Qual resultado que vai estar às 22h na televisão? Alguém tem dúvida disso? Aí a gente vai ter que entrar com um recurso no Supremo Tribunal Federal. Vai pra puta que o pariu, porra. Ninguém quer virar a mesa, ninguém quer dar o golpe. Ninguém quer botar a tropa na rua, fechar isso, fechar aquilo. Nós estamos vendo o que está acontecendo. Vamos esperar o quê?"

Durante a reunião, Bolsonaro assiste a propostas de seus auxiliares para agir nas eleições.

Então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) general Augusto Heleno chega a dizer que colocaria agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) nas campanhas de Bolsonaro e de seu principal adversário, o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Heleno é interrompido por Bolsonaro ao demonstrar receio de que as falas vazassem. O então ministro segue, no entanto, discursando. Ele passa a defender que, se necessário, um "soco na mesa" ocorra antes das eleições.

"O segundo ponto é que não tem VAR nas eleições. Não vai ter segunda chamada na eleição, não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições. Depois das eleições, será muito difícil que tenhamos alguma nova perspectiva", diz o ex-ministro do GSI.

Núcleos para tentativa de golpe

A investigação da Polícia Federal afirma que o grupo ligado a Jair Bolsonaro se dividiu em seis núcleos para organizar uma tentativa de golpe de Estado.

Segundo a PF, ex-assessores e ex-ministros de Bolsonaro se dividiram da seguinte forma:

Núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral;

Núcleo responsável por incitar militares a aderirem ao golpe de Estado;

Núcleo jurídico;

Núcleo operacional de apoio às ações golpistas;

Núcleo de inteligência paralela;

Núcleo de oficiais de alta patente com influência e apoio a outros núcleos.

O inquérito aponta que proximidade dos integrantes com Bolsonaro e revela uma espécie de coleta de informações, por parte dos membros, para auxiliar a "tomada de decisões do então Presidente da República".

O maior volume vinha do chamado núcleo de inteligência paralela, que chegou a monitorar o ministro Alexandre de Moraes

A PF também afirma que um endereço de campanha de Jair Bolsonaro, em Brasília, foi utilizado por seus assessores para discutir a minuta de decreto golpista.

O que diz Bolsonaro

A defesa do ex-presidente disse que Jair Bolsonaro "jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam".

Os advogados afirmaram que o documento de cunho golpista encontrado no gabinete de Bolsonaro havia sido impresso para que ele "pudesse tomar conhecimento" de materiais mencionados na investigação da Polícia Federal.

"O ex-presidente — desconhecendo o conteúdo de tais minutas — solicitou ao seu advogado criminalista, Dr. Paulo Amador da Cunha Bueno, que as encaminhasse em seu aplicativo de mensagens, para que pudesse tomar conhecimento do material dos referidos arquivos"

"A impressão provavelmente permaneceu no local da diligência de busca e apreensão havida na data de hoje, que alcançou inclusive o gabinete do ex-presidente, razão porque lá foi apreendido", acrescentaram

Em nota, a defesa também criticou a medida, determinada por Alexandre de Moraes, que apreendeu o passaporte do ex-presidente. Segundo eles, a determinação foi "absolutamente desnecessária".
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