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G1 - Política

Congresso mostra força em 2023 e governo terá que negociar cada vez mais, apontam analistas

Fragilização do Executivo com sucessivas crises desde 2014 e encolhimento da base de apoio do governo em 2023 pressionam acordos por 'governabilidade'.


Fragilização do Executivo com sucessivas crises desde 2014 e encolhimento da base de apoio do governo em 2023 pressionam acordos por 'governabilidade'. Apesar da força que governos eleitos costumam demonstrar no primeiro ano de mandato, o Congresso Nacional conseguiu impor seu ritmo nas negociações políticas que movimentaram Brasília em 2023.

Essa dinâmica é um sintoma do empoderamento do Legislativo em relação ao Executivo e vai além do governo da vez.

Desde 2015, os parlamentares vêm avançando sobre a execução do Orçamento, o que passou a mudar a correlação de forças em Brasília.

Valdo Cruz: Final de ano o governo fica cada vez mais dependente do Congresso

Naquele ano, as emendas individuais se tornaram impositivas — de pagamento obrigatório — medida adotada também para as emendas de bancadas estaduais, quatro anos depois.

"O Congresso vem progressivamente se empoderando de dimensões que eram do Poder Executivo, principalmente no que se refere à administração do Orçamento", destacou o cientista político José Álvaro Moisés.

Entre 2015 e 2023, o valor das emendas impositivas – indicações de parlamentares que têm execução obrigatória e, por isso, não dependem de barganha com o Executivo – saltou de R$ 9,7 bilhões para R$ 28,9 bilhões. A alta é de 197,9 %.

"Temos um Congresso mais forte e a governabilidade de Lula foi construída pauta a pauta. E tal construção faz parte da negociação no bojo da democracia", afirmou o cientista político Rodrigo Prando.

Para Leonardo Barreto, o empoderamento do Legislativo não é circunstancial, mas embasado em prerrogativas previstas na própria Constituição.

"Governos tidos como fortes também viram o Legislativo aprovar aumento das suas competências. É claro que os momentos de crise eles criam oportunidades, mas eu entendo que este movimento é constante que está pautado pela Constituição, que conferiu muita capacidade ao Congresso de tocar agendas e que vai sendo reconhecida e exercida com a prática desta Constituição".

Emendas de Comissão

Outro sintoma do ponto de vista orçamentário é a tentativa do parlamento ampliar ainda mais a influência sobre a execução dos recursos.

Depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar o Orçamento Secreto inconstitucional, o Congresso inflou as emendas de comissões temáticas — essas de execução não obrigatória.

Em 2022, por exemplo, o valor autorizado para essas emendas foi de R$ 329,4 milhões. Em 2023, chegou a R$ 6,9 bilhões e em 2024 deve ultrapassar os R$ 11 bilhões.

Mais do que isso, os parlamentares pressionaram o governo por um acordo que limita o bloqueio dessas verbas.

"Isso tudo reflete essa situação difícil do governo. Não só desse governo, mas do Executivo, e como o Congresso tem se tornado cada vez mais faminto. Ele quer mais poder e tem conseguido", disse o cientista político Cláudio Couto.

"Além de um maior controle sobre tramitação de medida provisórias e das emendas orçamentárias, os parlamentares passaram a exercer um papel mais proativo em termos de produção Legislativo", explicou o cientista político Murilo Medeiros.

Saímos de um 'hiperpresidencialismo' e passamos para uma relação mais equilibrada, entre Executivo e Legislativo. Esse poder maior do parlamento sobre o orçamento impulsionou ainda mais a independência do Congresso Nacional", destacou.

Base encolhida

A eleição de 2022 também encolheu a base de apoio do governo no Congresso.

Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha sido eleito com uma pauta alinhada à esquerda do espectro político, o Congresso eleito é o mais conservador desde a redemocratização.

"Então você tem esse cenário muito difícil. O Lula é um presidente que governa em tempos difíceis, e aí consequentemente isso faz com que o andamento das propostas seja mais custoso", ressaltou Couto.

Isso aumenta o poder de barganha dos parlamentares e pressiona o governo a ceder para alcançar uma margem confortável de apoiadores no parlamento.

"Você tem hoje um Congresso mais à direita desde a redemocratização, com um presidente de esquerda. Ainda que seu governo não seja de esquerda, o presidente vai enfrentar mais dificuldade também", afirmou.

Para Prando, o poder do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também é um fator a ser considerado na equação.

"Há que se levar em consideração que Bolsonaro foi derrotado, no entanto, o Congresso tem um perfil, no geral, mais conservador e, particularmente, com força de muitos atores políticos bolsonaristas. Além disso, outro elemento: Arthur Lira saiu hipertrofiado politicamente do governo Bolsonaro e essa força se fez presente e obrigou o governo a ceder espaço e negociar com Lira e o Centrão".

Barreto destaca que a pressão pelos acordos e a consequente garantia de uma governabilidade força o Palácio do Planalto a avaliar constantemente o envio de agendas ao Congresso.

"Nas agendas que envia ao Congresso, o governo acaba por negociar muito mais do que gostaria e sem garantia de resultado. O Congresso gosta de manter o governo nas cordas, pressionado, para no final emplacar seu interesses"

'Fragilização' e 'governo Congressual'

Moisés aponta as crises envolvendo ex-presidentes da República desde 2014 como motivo de fragilização do Poder Executivo.

Segundo ele, isso abriu caminho para o Congresso se apoderar de prerrogativas que antes cabiam ao presidente da República.

"Uma parte disso se deve a crises políticas desde 2014. A partir dali, as lideranças da Câmara e do Senado, mas principalmente da Câmara, foram progressivamente introduzindo modificações e alcançando uma capacidade de administração maior sobre o Orçamento".

Couto ressaltou que, com o aumento do Poder do Legislativo sobre o Executivo, é possível se adotar a expressão "governo congressual" para explicar a relação.

"É fato. Temos um Congresso hoje que tem muito mais poder. Podemos até falar em um 'governo congressual', em que o Congresso toma frente em muitas decisões, porque seu poder em relação ao Executivo aumentou bastante".

Segundo Prando, não há, de fato, uma fragilização, mas um realinhamento dos Poderes.

"Há, penso, um realinhamento dos poderes e Lula, agora, tem mais dificuldades do que teve nos outros mandatos".

Lula em campo

Especialistas ouvidos pelo g1 afirmaram que Lula terá que entrar cada vez mais em campo para ajudar nas negociações.

A tendência de se dar continuidade ao formato de negociação por projetos, como o observado neste ano, vai exigir ainda mais do governo.

"Não vejo, neste momento, nada que seja diferente para o ano vindouro, ou seja, Lula terá que entrar mais em campo na articulação política e permanecerá dialogando e liberando recursos e cargos como numa provável reforma ministerial e nos demais escalões do governo", afirmou Prando

"Talvez o governo consiga distribuir melhor os espaços de poder para os partidos de centro e capitalizar uma maior interlocução com lideranças regionais que tenham voz e influência dentro das legendas, tendo em vista a pouca coesão dentro dos partidos. O governo tem que buscar mais no varejo do que com os próprios comandos partidários em si", ressaltou Medeiros.

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