Ministros julgam ação proposta pela Procuradoria-Geral da República em outubro do ano passado. Pedido de suspensão da regra já tinha sido rejeitado pela Corte em 2022. Por maioria, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitaram a ação contra trechos da resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que busca agilizar a retirada de conteúdo com desinformação das redes sociais no período eleitoral.
O julgamento foi concluído nesta segunda-feira (18). Prevaleceu o voto do relator, o ministro Edson Fachin, pela validade da norma eleitoral. Fachin pontuou que uma eleição livre e democrática não pode ter influências abusivas no regime de informação.
"Uma eleição com influência abusiva do poder econômico não é normal nem legítima, vale dizer, não é livre nem democrática. Quando essa abusividade se materializa no regime da informação, recalcando a verdade e compondo-se de falsos dados e de mentiras construídas para extorquir o consentimento eleitoral, a liberdade resta aprisionada em uma caverna digital", afirmou.
"A normalidade das eleições está em questão quando a liberdade se converte em ausência de liberdade, porquanto desconectada da realidade, da verdade e dos fatos. Esse exercício abusivo coloca em risco a própria sociedade livre e o Estado de Direito democrático. Não há Estado de Direito nem sociedade livre numa democracia representativa que não preserve, mesmo com remédios amargos e limítrofes, a própria normalidade das eleições. A liberdade de expressão não pode ser a expressão do fim da liberdade", prosseguiu.
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O ministro considerou que a disseminação de informação pode comprometer a livre circulação de ideias.
"A disseminação de notícias falsas, no curto prazo do processo eleitoral, pode ter a força de ocupar todo espaço público, restringindo a livre circulação de ideias. A notícia falsa, ou seja, aquela que é transmitida sem a menor condição de embasar uma opinião sobre a sua probabilidade de certeza, desde que tenha aptidão para interferir no processo eleitoral, deve ser combatida. Não deve grassar o uso intencional de mentiras, informações vagas, incompletas e falsas com o objetivo de manipular os consumidores da notícia ou mensagem".
Para Fachin, a norma não atinge a liberdade de expressão.
"Não reputo, portanto, estar eivada de inconstitucionalidade a Resolução impugnada. O ato não atinge o fluxo das mídias tradicionais de comunicação — nem caberia fazê-lo -, tampouco proíbe todo e qualquer discurso, mas apenas aquele que, por sua falsidade patente, descontrole e circulação massiva, atinge gravemente o processo eleitoral".
Acompanham o presidente Luís Roberto Barroso, os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Luiz Fux, Nunes Marques, Gilmar Mendes e a ministra Cármen Lúcia.
Moraes, que é o presidente do TSE, afirmou em seu voto que, no Brasil e no mundo, a liberdade de expressão tem sido usada como justificativa para a disseminação de notícias falsas.
"Sobre esse ponto, tenho insistentemente repetido que liberdade de expressão não é liberdade de agressão a pessoas ou a instituições democráticas. Portanto, não é possível defender, por exemplo, a volta de um ato institucional número cinco, o AI-5, que garantia tortura de pessoas, morte de pessoas e o fechamento do Congresso Nacional e do Poder Judiciário", declarou.
"Nós não estamos em uma selva! Igualmente, não se pode pretender que a liberdade de expressão legitime a disseminação de informações falsas que correm o processo democrático e retiram do eleitor o livre poder de autodeterminação no processo eleitoral", completou.
O ministro André Mendonça divergiu em parte. Entendeu que é o caso de declarar inconstitucionais dois artigos da resolução — o que permite a suspensão temporária de perfis e contas em redes sociais que publiquem desinformação de forma reiterada; e o que permite a suspensão do acesso aos serviços da plataforma em caso de descumprimento reiterado das determinações da Justiça.
Para Mendonça, "assiste razão à PGR quando identifica nos aludidos dispositivos potencial risco de caracterização de hipótese de censura prévia".
Resolução
A ação foi apresentada em 21 de outubro do ano passado, em meio às eleições, pelo então procurador-geral da República, Augusto Aras.
Um dia antes, a resolução foi aprovada na sessão do Tribunal Superior Eleitoral. Entre outros pontos, a norma prevê que o TSE pode determinar que redes sociais e campanhas retirem do ar links com fake news em até duas horas.
A resolução prevê que:
o TSE poderá determinar que as URLs das fake news sejam retiradas do ar em até duas horas (às vésperas da votação, a retirada será em até uma hora);
no caso de fake news replicada, o presidente do tribunal poderá estender a decisão de remoção da mentira para todos os conteúdos;
o TSE poderá suspender canais que publiquem fake news de forma reiterada;
será proibida a propaganda eleitoral paga na internet 48 horas antes do pleito e 24 horas depois.
Ação
No pedido ao STF, Aras afirmou que a melhor "vacina" contra a desinformação é a informação. Segundo ele, nenhuma instituição detém o "monopólio" da verdade.
"Nas disputas eleitorais, são, em primeiro lugar, os próprios candidatos e partidos que devem, diante de ilícitos concretos, provocar a Jurisdição eleitoral, buscando o direito de resposta, que é o mecanismo de reequilíbrio por excelência nas campanhas eleitorais", disse Aras.
O procurador admitiu que é necessário aperfeiçoar os instrumentos de combate às fake news, mas sustentou que isso deve ser feito "sem atropelos".
"Verifica-se que é necessário avançar, buscando um aperfeiçoamento dos instrumentos legais, processuais e técnicos no combate à desinformação na internet, sobretudo no processo eleitoral. Esse aperfeiçoamento, contudo, há de se fazer sem atropelos, no ambiente democraticamente legitimado para essas soluções, que é o parlamento, no momento adequado, em desenvolvimento contínuo de nossas instituições e do nosso processo civilizatório", afirmou.
Pedido de suspensão
Por maioria, ainda em outubro do ano passado, o Supremo rejeitou um pedido da PGR para suspender a aplicação da medida.
Julgamento virtual
Agora, os ministros analisaram, no plenário virtual, o mérito (o conteúdo) do pedido.
O plenário virtual é um formato de deliberação em que os ministros apresentam seus votos em um sistema eletrônico na página da Corte. Nesta forma de votação, não há necessidade de sessão presencial de julgamentos.