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História de Eunice e Rubens Paiva, morto pela ditadura, é retratada no filme 'Ainda estou aqui' – indicado nesta quinta a três Oscar, incluindo Melhor Filme e Melhor Atriz (Fernanda Torres). Criada há quase 30 anos, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos segue em funcionamento no Brasil. A missão: atestar a verdadeira causa da morte de pessoas que foram assassinadas pelo Estado durante a ditadura militar.Com esse reconhecimento, as famílias podem emitir em cartório a certidão de óbito de seus mortos – que deixam de ser tratados como "desaparecidos políticos" pelo Estado brasileiro.A comissão teve os trabalhos praticamente paralisados no governo Jair Bolsonaro – e foi extinta pelo então presidente no penúltimo dia de mandato, no fim de 2022. O governo Lula recriou o colegiado, que voltou a funcionar em outubro de 2024.Marcelo Rubens Paiva, autor do livro 'Ainda estou aqui', que inspirou o filme de Walter Salles, sobre sua mãe, Eunice PaivaMontagem/g1/Reprodução/Redes SociaisA primeira composição da comissão, em 1995, tinha entre seus membros a advogada Eunice Paiva – viúva do ex-deputado Rubens Paiva, torturado e assassinado em 1971 após ter sido levado para interrogatório por agentes da ditadura no Rio de Janeiro.Eunice só recebeu o atestado de óbito do marido 25 anos depois, em 1996 – um ano após a lei que definiu a criação da comissão. Até então, Rubens Paiva era dado como desaparecido.Fernanda Torres relembra visita ao túmulo de Eunice Paiva, sua personagem em 'Ainda estou aqui'Reprodução/InstagramA história de Eunice e da família Paiva foi retratada no livro "Ainda estou aqui", de 2015, escrito por Marcelo Rubens Paiva (filho do casal) – e adaptada no filme de mesmo nome, de Walter Salles, lançado em 2024 como o primeiro longa-metragem original Globoplay.A cena em que Eunice Paiva recebe o atestado de óbito de Rubens é retratada no longa. Filha do casal, Vera Paiva é uma das sete integrantes atuais da comissão.Nesta quinta, "Ainda estou aqui" bateu um recorde histórico para o Brasil ao conquistar três indicações para o Oscar 2025: Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Filme e Melhor Atriz (Fernanda Torres).No papel de Eunice Paiva, Fernanda Torres já conquistou o Globo de Ouro de Melhor Atriz - Drama. O filme ainda concorre, além do Oscar, a prêmios como o BAFTA e o Satellite Awards.O Oscar 2025 acontece em 2 de março em Los Angeles, com apresentação de Conan O'Brien."Ainda estou aqui" é indicado na categoria Melhor FilmeO que faz a comissão?A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos trabalha em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – que, quando acionado, solicita a emissão ou a correção dos atestados de óbito.Os documentos são despachados sem custo para as famílias. Atualmente, há 414 atestados ainda pendentes de retificação no Brasil, de acordo com a comissão especial.O trabalho do órgão deu subsídio para a Comissão Nacional da Verdade (CNV), que funcionou de 2012 a 2014. O relatório final do colegiado afirma que, no Brasil, foram 434 pessoas mortas e desaparecidas durante o regime de exceção, em que cinco militares presidiram o Brasil, de 1964 a 1985, sem a possibilidade de eleição direta.Esse número de vítimas considera somente pessoas que militaram politicamente contra os governos militares – uma classificação dada pela Lei dos Desaparecidos Políticos, de 1995. Segundo a atual presidente do colegiado, Eugênia Gonzaga, o número de mortos durante a ditatura é muito maior: mais de 10 mil pessoas. Nem todas receberam a classificação de mortos políticos."Infelizmente, a Comissão da Verdade seguiu esse mesmo critério. E é por isso que no Brasil a gente fala em 434 vítimas da ditadura, o que está muito distante da realidade brasileira. Vítimas da ditadura são pessoas atingidas por atos de exceção ou por graves lesões a direitos humanos e não apenas aquelas pessoas que militavam contra aquele governo", explicou a presidente da comissão especial ao g1.De acordo com Eugênia Gonzaga, que também é procuradora regional da República, apesar do número oficial, outros relatórios da CNV mostram que mais de 8 mil indígenas e 2 mil trabalhadores do campo também foram mortos em embates ligados ao regime militar.Comissão vai retomar buscas por mortos na ditaduraIdentificação de ossadas e próximos passosAtualmente, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos faz convênios com universidades, como a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), para seguir o trabalho de identificação de ossadas de cemitérios da época da ditadura.Como o orçamento do grupo é baixo, explica Gonzaga, essas parcerias são essenciais já que é necessária a atuação de uma equipe móvel e interdisciplinar, formada por médicos, historiadores, antropólogos e geólogos, por exemplo. Não são, portanto, servidores de carreira.Segundo ela, desde que a comissão foi retomada, em agosto de 2024, R$ 3 milhões em emendas parlamentares foram repassados ao colegiado.Gonzaga afirma que nove pessoas trabalham hoje na identificação das ossadas da Vala de Perus, um cemitério clandestino na Zona Norte da cidade de São Paulo. Veja detalhes no vídeo:Descoberta da vala de Perus completa 30 anosHá ainda pesquisas de ossadas localizadas na Vila Formosa, também na cidade de São Paulo, em Ricardo Albuquerque, no Rio de Janeiro, e no Recife.A comissão também planeja realizar buscas por ossadas de combatentes da Guerrilha do Araguaia, no Pará e no Tocantins. E ainda atualizar o relatório geral do colegiado até o fim de 2026. O último é de 2005.Eugênia Gonzaga classifica a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos como a "primeira comissão da verdade" do Brasil. Ela pondera que o estado não admitir as mortes no período da ditadura foi "uma forma de tortura" para as famílias – e, por isso, a atuação da comissão é tão necessária.