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Na madrugada, Câmara aprova regra que permite disputa sigilosa em licitações de obras públicas

Texto segue para sanção de Lula e prevê esse formato para licitações de valor superior a R$ 1,5 milhão.

Por André Miranda

01/12/2023 às 13:33:32 - Atualizado há
Texto segue para sanção de Lula e prevê esse formato para licitações de valor superior a R$ 1,5 milhão. Nesse modelo, lances são revelados apenas em data e hora definidas pelo órgão. A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (30), por 307 votos a 27 e uma abstenção, um projeto que permite os governos federal, estadual e municipal a realizar uma disputa sigilosa de licitações para obras e serviços de engenharia.

As licitações são processos administrativos obrigatórios, salvo exceções, para a compra de bens e serviços.

Segundo a proposta, órgãos das três esferas de governo poderão adotar o modelo chamado de "disputa fechada" para licitações com valor estimado acima de R$ 1,5 milhão. A permissão valerá para contratação de:

obras ou serviços especiais de engenharia

serviços comuns de engenharia, que incluam serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual

e serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos

O texto, que seguirá para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), modifica a atual Lei de Licitações, que valerá integralmente a partir do dia 30 deste mês.

Até lá, a União e os estados e municípios poderão optar por realizar licitações nos três formatos antigos.

A disputa fechada já estava prevista na legislação, mas era proibida para licitações que tinham como critério de escolha o menor preço ou maior desconto.

Com o texto aprovado pela Câmara e pelo Senado, a possibilidade passa a valer até mesmo para disputas com esses critérios, desde que para a contratação dos serviços mencionados acima.

O modelo fechado permite que propostas sejam submetidas pelas empresas sem a divulgação pública dos lances. Os valores somente são conhecidos na data e hora escolhidas pelo órgão.

Na disputa aberta, porém, os lances são divulgados de forma aberta e transparente, com a garantia de consulta pública aos valores.

A mudança aprovada pelo Congresso pode, na prática, diminuir a transparência nas disputas de obras públicas.

Autora da proposta, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) afirmou que a alteração era necessária porque a "dinâmica da fase de lances é incompatível com a complexidade de orçamentação de grandes obras e serviços de engenharia".

"A criação de estímulo artificial para a oferta de descontos sucessivos nas licitações para obras e serviços de engenharia desse porte pode provocar cotações inexequíveis e jogos de planilha, provocando inclusive a necessidade de renegociações precoces", disse a senadora.

Em seu parecer, o relator do texto na Câmara, deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), argumentou que a mudança "mostra-se condizente com a proteção do interesse público, bem como homenageia a busca da melhor proposta para a administração pública".

'Carona' para municípios

O projeto também permite que gestores municipais possam aderir a licitações de outras prefeituras na condição de não participante – na prática, uma "carona" de municípios que não participaram do planejamento da contratação.

Hoje, a legislação permite esse modelo de adesão à ata de registros de preços apenas para o governo federal e para os estados.

Pela lei atual, para ter direito a essa carona, os órgãos devem justificar vantagem na adesão e demonstrar que os valores registrados são compatíveis com o mercado, por exemplo.

A demanda para incluir as prefeituras foi proposta pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), que afirma que a medida dá "mais agilidade na aquisição de bens e serviços".

O deputado Domingos Sávio (PL-MG), que leu o parecer em nome de Elmar, que não estava na sessão, disse que a medida busca um "aprimoramento" na legislação.

Apesar de hoje a lei proibir a adesão de municípios, há um entendimento de que, na prática, isso continuava ocorrendo.

"O que existe neste projeto é a busca de aprimoramento, para estabelecer que ela só poderá ocorrer se houver licitação, e não apenas o que hoje se convencionou chamar de "carona", ou seja, há uma ata, o Município adere e não promove o processo licitatório. Então, é o processo de buscar o aprimoramento, de dar mais transparência a isso", disse.

Reaproveitamento de recursos

O texto também incluiu, na Lei de Licitações, a possibilidade de os órgãos públicos reaproveitarem recursos destinados a empresas que romperem o contrato de prestação de serviço.

O reaproveitamento somente será possível para o dinheiro que ainda não tiver sido efetivamente pago e deverá ser utilizado em nova contratação. A hipótese também valerá para casos em que a empresa vencedora da licitação não assinar o contrato.

Outra mudança do projeto permite que empresas usem títulos de capitalização como garantia da prestação de obras e serviços.

Atualmente, a Lei de Licitações prevê que o edital da licitação pode exigir como garantia:

caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública

seguro-garantia

e fiança bancária

Discussões durante a sessão

Por volta das 20h de quarta, na mesma sessão o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), havia informado ao plenário que encerraria os trabalhos após a votação de um projeto que tratava sobre regulamentação de pesquisas clínicas em seres humanos.

A sessão, contudo, prosseguiu até a madrugada.

Um requerimento de urgência para analisar o projeto foi colocado em votação às 23h17 da noite pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que presidia a sessão, mesmo após protestos de alguns parlamentares.

A aprovação do pedido permitiu que o mérito da proposta fosse analisado em seguida, mesmo com críticas de alguns deputados de que o conteúdo do relatório não era conhecido.

O deputado Gilson Daniel (Podemos-ES) chegou a fazer um apelo para que o mérito do texto fosse votado apenas na próxima semana.

"É uma lei importante, que afeta os municípios brasileiros, os estados, as compras governamentais. É preciso uma análise mais criteriosa. Essa forma de votar, em seguida à votação do regime de urgência é ruim", disse.

O deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB) disse que "o projeto pode ser bom, pode ser ruim", mas que ele foi" convencido pela liderança do União Brasil, pelo deputado Domingos Sávio [deputado que leu o parecer do projeto], que é do nosso partido, de que o projeto é bom". Contudo, o parlamentar reclamou da falta de previsibilidade nas votações.

"Mas eu falo, repito e insisto, que tem que haver previsibilidade para a pauta da semana, a fim de evitar debates desgastantes, para não chegarmos à 0h04 debatendo coisas simples", disse.

O deputado Márcio Correa (MDB-GO) também reclamou que não houve previsibilidade para a votação e questionou no plenário: "a quem interessa esse projeto?"

"Deixo aqui o meu repúdio a esse rolo compressor que coloca em pauta a Lei de Licitações, mais de meia-noite, sem ter sido enviado o texto anteriormente a esta Casa. E vem a dúvida: a quem interessa esse atropelo?", disse.

Ao orientar contrário à medida, Tarcísio Motta (PSOL-RJ), disse que o debate sobre a Lei de Licitações é importante, mas "deveria ser feito com um pouco mais de calma".

"Admitir títulos de capitalização como forma de garantia, esse é um tema que precisa ter mais cuidado, porque pode ser prejudicial ao Erário público. Outro exemplo é a previsão de que, em obras de engenharia cujo valor ultrapasse R$ 1,5 milhão, o processo seja de modo fechado. Isso favorece o acordo escuso, a combinação de preços, mas está nesse projeto que estamos votando agora."

Em nome do governo, o deputado Alencar Santana (PT-SP), orientou favorável, mas disse que se houver vetos presidenciais, há um compromisso com o deputado Elmar Nascimento (União-BA) de que eles serão mantidos pelo Congresso.
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