Drogas, aborto e segurança pública ganharam destaque no Congresso neste semestre. Esquerda tenta se esquivar para evitar prejuízos eleitorais e quer foco na pauta econômica. Plenário do Congresso Nacional durante votações desta terça-feira (28).
Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
A oposição no Congresso Nacional tem se aproveitado do interesse do presidente Arthur Lira (PP-AL) em eleger um aliado como sucessor e da proximidade das eleições municipais para pressionar pelo avanço de pautas de costumes no Legislativo.
A estratégia tem deixado parlamentares governistas "amarrados". O receio de desgastes na corrida eleitoral deste ano tem levado deputados e senadores mais progressistas a evitar polêmicas e a silenciar em embates sobre a chamada pauta ideológica.
É o caso das discussões sobre droga, aborto e questões ligadas à segurança pública, como as "saidinhas" de presos.
Por exemplo, durante a votação na Câmara do requerimento que acelerou o projeto que equipara o aborto ao homicídio, pauta patrocinada pela bancada evangélica, nenhum deputado se manifestou contrariamente e a urgência foi aprovada em 23 segundos.
Já o projeto que restringiu as saidinhas foi aprovado na Câmara e enviado à sanção sem que a base governista se colocasse contrária à proposta.
Apenas o PSOL orientou pela derrubada do texto e fez isso somente depois que o resultado havia sido proclamado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou dispositivos do texto, mas o Congresso derrubou o veto (leia mais abaixo).
Partidos de centro-esquerda têm pré-candidatos a prefeituras em grandes capitais nas eleições deste ano e tentam evitar armadilhas da direita no Congresso, que joga com o perfil conservador do eleitorado brasileiro.
Guilherme Boulos (PSOL), em São Paulo, Rogério Correia (PT), em Belo Horizonte e Maria do Rosário (PT), em Porto Alegre, são alguns dos postulantes da esquerda nas eleições deste ano.
Votações simbólicas para escapar de 'saias justas'
Câmara vota em 23 segundos urgência para projeto que equipara aborto a homicídio
Nos últimos meses, a Câmara, por exemplo, foi palco de acordos de líderes para fugir de votações nominais — quando há registro do voto do deputado — em temas considerados polêmicos, o que ajudou siglas governistas a desviar de "saias justas" ou derrotas esmagadoras.
Foram os casos das votações da taxação de compras internacionais abaixo de US$ 50 e da urgência à proposta que pune mulheres que realizam um procedimento legal de interrupção de gravidez após a 22ª semana de gestação.
Isso não foi possível em fevereiro e março, por exemplo. Na ocasião, governistas foram emparedados na votação do projeto que restringia as saídas temporárias de presos.
A orientação do Planalto era contrária à proposta, mas diversos parlamentares alinhados ao governo registraram voto favorável ao texto — tanto nas análises da Câmara e do Senado quanto na votação do veto de Lula à parte do projeto.
Pré-candidata à Prefeitura de Porto Alegre (RS), a deputada Maria do Rosário (PT) foi uma das parlamentares que, por questões eleitorais, decidiu contrariar o Planalto e votar pela derrubada do veto presidencial. Segundo ela, o voto ajuda a evitar "ataques da extrema-direita" e a abrir diálogo com a população.
Às vésperas do início da campanha eleitoral, as lideranças do governo no Congresso têm sinalizado que vão privilegiar as pautas econômicas no parlamento e querem focar na regulamentação da reforma tributária, em tramitação em grupos de trabalho da Câmara.
'Escola sem Partido' e maioridade penal
No Brasil, maioridade penal é de 18 anos, mas crianças podem ser responsabilizadas a partir dos 12, com internações em entidades como a Fundação Casa, em São Paulo
Fundação Casa/ BBC
Enquanto isso, a oposição tem conseguido até mesmo "ressuscitar" temas adormecidos e derrotados no Congresso na gestão de Jair Bolsonaro (PL).
Foi o que ocorreu com a proposta que pune mulheres que realizam procedimento de aborto legal. E é o que deve ocorrer com outras duas pautas frequentes no imaginário de parlamentares reacionários: a redução da maioridade penal e a proposta que restringe as manifestações de professores em salas de aula — conhecida como Escola Sem Partido.
As articulações têm ocorrido especialmente no âmbito da Câmara dos Deputados. Mesmo que incipientes, deputados pretendem levar os temas à discussão em comissões para movimentar o debate público e aumentar números em redes sociais.
No primeiro caso, parlamentares da chamada "bancada da bala" querem forçar a discussão de propostas que reduzem a maioridade penal de 18 para 16 anos.
O assunto chegou a avançar na Câmara em 2015, quando uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) foi aprovada para reduzir a maioridade nos casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.
O texto foi para o Senado e foi ignorado. Em 2019, primeiro ano de governo Bolsonaro, a PEC ficou paralisada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. Sem análise, acabou arquivada três anos depois.
Agora, a CCJ da Câmara ensaia movimento oposto. O colegiado resgatou um projeto, de 2003, que convoca um plebiscito para que a população decida se é a favor ou contra a redução da maioridade penal.
O plebiscito é uma consulta à população anterior à discussão de propostas legislativas. O resultado da votação define qual o projeto deverá ser discutido pelo Congresso. Para ser convocado, além da aprovação no Senado, o plebiscito precisa ser aprovado pela Câmara.
A proposta já recebeu relatório favorável do Dr. Jaziel (PL-CE) e deve entrar na pauta do colegiado no retorno do recesso parlamentar, que começa oficialmente em 18 de julho.
Também deve receber destaque após o recesso o Escola Sem Partido. Em 2018, uma comissão especial criada para analisar a proposta foi encerrada sem sequer votar o projeto. Sem registros significativos de movimentação na Câmara desde 2019, o projeto foi encaminhado a novas comissões neste ano.
O primeiro de quatro colegiados será a Comissão de Previdência e Família, que já designou o deputado Dr. Allan Garcês (PP-MA) como relator.
O presidente da comissão, deputado Pastor Eurico (PL-PE), afirma que o colegiado dará "prioridade a esse projeto".
"Esse projeto vai ser de muita polêmica. Já sabemos disso. Estamos esperando só o relator entregar", disse Eurico, projetando que a discussão da proposta deverá ocorrer no segundo semestre — em meio às campanhas municipais.
'Congresso extremamente conservador', diz Gleisi
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), reconhece que a ala progressista do Congresso tem enfrentado dificuldades no debate com parlamentares conservadores.
"Temos que fazer o debate político e esclarecer as pessoas e fortalecer o campo mais progressista. Não tem sido fácil. É um Congresso extremamente conservador. E a gente passa por essas situações", disse Gleisi.
"São cerca de 140 deputados do campo progressista. É a realidade que nós temos. Não dá para lidar contra ela. Então, acho que precisa do debate político, da sociedade, e também a gente tenta fazer as articulações lá dentro", completou a petista.