Nove ministros já votaram; Luiz Fux e Cármen Lúcia devem apresentar seus posicionamentos. Tribunal vai elaborar guia para que a decisão seja aplicada, ainda não há maioria no tema. O Supremo Tribunal Federal (STF)pode concluir nesta semana o julgamento do recurso que discute se é crime ou não o porte de maconha para consumo pessoal. O tema está na pauta da Corte para as sessões desta terça-feira (25) e quarta-feira (26).
Nove ministros já votaram e ainda não há maioria formada sobre o tema principal. Restam votar os ministros Luiz Fix e Cármen Lúcia.
O julgamento voltará com os votos dos ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia.
Antonio Augusto/SCO/STF
O tribunal já definiu que será necessário estabelecer um critério para diferenciar o usuário de traficante, mas ainda vai fixar a quantidade – as sugestões variam de 10 a 60g.
Ainda não há maioria, no entanto, para estabelecer se o porte da maconha para uso individual deve ser considerado crime, ou seja, se é uma conduta com natureza penal ou um ato ilícito administrativo. Neste ponto, os votos estão divididos em três correntes (entenda mais abaixo).
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A Corte não discute legalizar ou liberar o consumo de entorpecentes. Ou seja, o uso de drogas, mesmo que individual, permanecerá como ato contrário a lei.
Com isso, quem agir desta forma ainda estará sujeito às sanções que já estão na legislação, incluindo:
advertência sobre os efeitos das drogas; e
medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
O caso começou a ser analisado em 2015 e, ao longo deste período, foi interrompido por quatro pedidos mais tempo para análise do texto.
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GABRIEL SILVA/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Critério para diferenciar usuário de traficante
A definição de uma quantidade que diferencie usuários de traficantes pode ajudar a polícia e a Justiça a garantir tratamentos iguais para situações semelhantes. Atualmente, esta distinção não está expressa na lei (saiba mais abaixo).
Na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes ilustrou o impacto da falta de um critério com um exemplo hipotético.
"Um homem negro, analfabeto, de 18 anos, é considerado traficante com 20g. Alguém com mais de 30 anos, branco, com curso superior, só é considerado traficante em média com 60g. Estamos falando da mesma situação. A polícia chega. Os dois, em tese, podem estar lado a lado. Se os dois estiverem com 20g, só o negro é preso. Isso não é Justiça".
A Lei de Drogas, de 2006, estabelece, em seu artigo 28, que é crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal.
No entanto, a legislação não fixa uma pena de prisão para a conduta, mas sim sanções como advertência, prestação de serviços à comunidade e aplicação de medidas educativas (estas duas últimas, pelo prazo máximo de 5 meses). Ou seja, embora seja um delito, a prática não leva o acusado para prisão.
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A norma não diz quais são as substâncias classificadas como droga – essa informação é detalhada em um regulamento do Ministério da Saúde.
Além disso, determina que cabe ao juiz avaliar, no caso concreto, se o entorpecente é para uso individual.
Para isso, o magistrado deve levar em conta os seguintes requisitos:
natureza e a quantidade da substância apreendida;
local e as circunstâncias da apreensão; e
circunstâncias sociais e pessoais da pessoa que portava o produto, além de suas condutas e antecedentes.
Ou seja, não há um critério específico de quantidades estabelecido em lei. Com isso, a avaliação fica a cargo da Justiça.
A lei de 2006 substituiu a regra que vigorava desde 1976. Na antiga Lei de Drogas, carregar o produto para uso individual era crime punido com prisão – detenção de 6 meses a dois anos, além de multa.
Como está o julgamento
Os nove votos apresentados até o momento se dividem em três correntes:
cinco ministros consideram que não é crime o porte de drogas para consumo individual. A conduta é um ato ilícito administrativo, com a possibilidade de aplicação de advertência sobre os efeitos das drogas e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Seguiram nesta linha o relator Gilmar Mendes e os ministros, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber (aposentada), Alexandre de Moraes.
três ministros entendem que a lei é constitucional, ou seja, na prática, o trecho deve ser mantido - entendido como um crime, com as repercussões socioeducativas. Seguiram esta linha os ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques e André Mendonça.
o ministro Dias Toffoli abriu uma terceira corrente, que se diferencia dos dois posicionamentos anteriores. Para Toffoli, a mudança operada na Lei de Drogas sobre a conduta, em 2006, fez com que a prática tenha deixado de ser crime desde então. No entanto, as punições administrativas permanecem e os processos com este tema devem ser julgados nas áreas da Justiça que tratam de matéria penal. Toffoli considerou que a regra prevista na Lei de Drogas deve ser mantida.
Ou seja, com este cenário, ainda não há maioria para deixar de enquadrar o porte de maconha como crime.
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Repercussão geral
A decisão vai ter repercussão em outros processos que tratam de questão semelhante. Ou seja, na prática, pode atingir ações penais e investigações criminais que discutem como deve ser enquadrado o porte da substância.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há 6.345 processos aguardando um desfecho. É possível, no entanto, que o impacto seja maior, e que a decisão atinja investigações criminais em curso, que não entram nas contas do CNJ.
Para orientar a aplicação da decisão nas instâncias inferiores, o Supremo vai elaborar uma tese, uma espécie de guia com orientações à Justiça.