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Aprovar urgência de projetos, como no caso do aborto, tem sido frequente na Câmara; veja exemplos

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Por André Miranda

14/06/2024 às 14:38:04 - Atualizado há
Requerimentos de deputados e pedidos do governo tiram fase de discussões nas comissões da Casa e enviam textos direto para o plenário. Parlamentares veem restrição de debates. A aprovação de requerimentos e o envio de projetos com urgência constitucional pelo governo tem abreviado o rito de tramitação das propostas na Câmara dos Deputados e tirado o protagonismo das chamadas comissões temáticas em análises relevantes.

Foi o que aconteceu nesta semana, por exemplo, com o projeto que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação ao homicídio. O texto gerou reação contrária de diversos setores da sociedade. Mas a urgência foi aprovada em votação de 23 segundos na Câmara.

Os requerimentos de urgência, de autoria dos deputados, dispensam a tramitação de propostas pelas comissões permanentes, levando a discussão direto ao plenário.

Já a urgência constitucional é pedida pelo governo ao enviar textos ao Congresso e exige que os projetos sejam votados em até 45 dias no plenário. Caso o prazo vença, a pauta do plenário fica trancada e outras propostas não podem ser votadas.

A gestão do presidente Arthur Lira (PP-AL) tem se destacado pela votação acelerada de temas relevantes diretamente no plenário. Apesar de os deputados precisarem aprovar os pedidos, é prerrogativa do presidente pautar as matérias.

Uma das comissões mais importantes, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) se restringiu a analisar projetos de consenso em 2023.

Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

A própria Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) -- uma das mais importantes da Casa já que, por ali, passam a maioria dos projetos -- no último ano se restringiu a projetos com consenso. O colegiado estava sob o comando do deputado Rui Falcão (PT-SP), que segundo interlocutores,evitou assuntos polêmicos até mesmo para preservar o governo.

Impasse nos comandos

Nos últimos dias, os líderes partidários têm se articulado para chegar a um acordo sobre as presidências dos 30 colegiados existentes na Casa -- um quebra-cabeça que exige acomodar os interesses da maioria dos partidos.

Até que o acordo seja firmado e as novas composições eleitas, as comissões ficam paralisadas. Mas a avaliação de parlamentares governistas é que esse atraso não deve atrapalhar as pautas de interesse do Executivo, justamente pela postura de Lira de dar preferência aos requerimentos de urgências.

A demora na instalação das comissões poderia até ser positiva para o governo -- já que, dessa forma, poderia evitar convocações de ministros nos colegiados, por exemplo.

Entre os temas que foram aprovados na Câmara diretamente em plenário, a pedido dos deputados, estão:

projeto que equipara o aborto ao homicídio

novo arcabouço fiscal;

minirreforma eleitoral;

Novo Ensino Médio: o texto já teve urgência aprovada, mas ainda não foi votado em plenário;

flexibilização na lei de improbidade;

projeto que abre caminho para privatização dos Correios;

revogação da lei de segurança nacional e criação de outros tipos penais;

mudança no regimento interno da Câmara;

Urgência Constitucional

As pautas mais relevantes para o governo no primeiro ano da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não passaram pelas comissões da Casa.

É o caso das mudanças nas regras sobre empate em votações do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), uma das medidas da equipe econômica para aumentar a arrecadação do governo.

Outra pauta acelerada a pedido do governo foi a taxação das offshores (investimentos no exterior) e dos fundos exclusivos (fundos de investimento personalizados para pessoas de alta renda).

'Boom' de emendas

As comissões receberam neste ano R$ 11 bilhões em emendas parlamentares, o que tem tornado os colegiados mais uma das moedas de troca na Câmara.

Líderes já admitem que, caso seus partidos sejam preteridos em outros assuntos, aceitam ser compensados com a presidência de uma comissão mais robusta em termos orçamentários.

O "ranking" de emendas das comissões da Câmara ficou assim em 2024:

Comissão de Saúde: R$ 4,538 bilhões

Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional: R$ 1,225 bilhão

Comissão de Esporte: R$ 650 milhões

Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural: R$ 356,11 milhões

Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável: R$ 200,2 milhões

Comissão de Educação: R$ 180,2 milhões

Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher: R$ 154,1 milhões

Comissão de Viação e Transportes: R$ 104,58 milhões

Após o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar a inconstitucionalidade das emendas de relator – que ficaram conhecidas como Orçamento Secreto – deputados e senadores articularam o remanejamento dessas verbas para outros mecanismos.

Uma das alternativas encontradas foi turbinar o montante das emendas de comissão. Em 2022, por exemplo, o valor autorizado para essas emendas foi de R$ 329,4 milhões. Em 2023, chegou a R$ 6,9 bilhões e neste ano, R$ 11 bilhões.

Veja os tipos de emendas parlamentares e a verba prevista para cada uma em 2024

'Instrumento banalizado'

A vice-líder do PSOL na Câmara, Fernanda Melchionna (RS), diz que as comissões continuam importantes já que há muitos projetos terminativos -- ou seja, que não precisam passar pelo plenário e, uma vez aprovados nos colegiados, seguem para o Senado. Mas critica o excesso dos requerimentos de urgência.

Dep. Fernanda Melchionna (PSOL-RS) em sessão da comissão.

Gilmar Félix/Câmara dos Deputados

"Com certeza dificulta a análise das matérias nas comissões temáticas e dificulta a organização do povo frente às votações da Câmara", diz.

A deputada também critica o que avalia ser uma "chantagem do Centrão" para que as emendas parlamentares de comissão se tornem impositivas (obrigatórias), diante do expressivo volume de recursos nesta modalidade.

"É muito ruim para as políticas públicas e para o país", afirma.

Para o deputado Gilson Marques (Novo-SC), o requerimento de urgência foi banalizado. O parlamentar afirmou que o instrumento deixou de ser usado para assuntos urgentes e agora atende a qualquer pauta que "agrade um certo grupo de parlamentares".

"Sem contar as urgências que surgem do nada, como a alteração da Lei de Licitações que chegou no plenário durante a sessão e foi votada sem que a maioria dos parlamentares tivesse sequer lido o texto. Pior, de forma açodada e sem um debate aprofundado. Infelizmente, os parlamentares só são contra esse método, quando se trata de um projeto que eles são muito contrários. E, assim, a exceção virou regra", afirmou.

A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) disse que direcionar a votação das matérias por requerimentos de urgência é uma das formas de o presidente da Câmara concentrar poder.

"Ao invés da aprovação da lei estar submetida a debates nas comissões, sujeita a contribuição de vários parlamentares, fica dependente da vontade política da mesa diretora. Há anos vemos regime de urgência para projetos que não necessariamente são urgentes. Na pandemia esse instrumento cabia e era necessário, mas agora foi banalizado", afirmou.
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