Há mais de um ano, associações da área aeronáutica, de defesa e segurança, movem uma ação na Justiça para barrar a Boeing de fazer contratações massivas de engenheiros brasileiros, alegando risco para a soberania nacional. Durante discurso na Embraer, Lula criticou Boeing.
Ricardo Stuckert / PR
Em um evento realizado na Embraer, empresa brasileira do ramo aeronáutico, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez críticas contra a Boeing, empresa norte-americana de aviação. No discurso, o presidente repreendeu as contratações de profissionais brasileiros que estão sendo feitas pela Boeing e falou sobre o rompimento da fusão entre as gigantes da aviação.
O evento foi realizado na tarde desta sexta-feira (26), na sede da Embraer, que fica em São José dos Campos, no interior de São Paulo. A visita do presidente à Embraer ocorreu em meio a um processo que é movido por associações da área aeronáutica, de defesa e segurança, que tentam barrar a Boeing de fazer contratações massivas de engenheiros brasileiros - saiba mais abaixo.
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No discurso, Lula começou fazendo uma analogia sobre o futebol, afirmando que quando os jogadores começam a ficar bons, são levados para o exterior e que isso seria um problema. Na sequência, contextualizou a situação dos campos para a aviação, falando que o mesmo ocorria entre os engenheiros e criticou as contratações de brasileiros feitas pela Boeing.
"Então a gente tá com um problema, porque a nossa molecada com 14, 15 anos fica boa de bola e já é comprada pra ir para o exterior. E agora estou sabendo que os engenheiros da Embraer também. A Boeing tentou comprar a Embraer, teve um 'piripaque' lá nos Boeing, não deu certo, ela não quis e não pagou sequer o cumprimento do contrato da multa que ela tinha, e instalou aqui um prédio para levar nossos engenheiros", declarou Lula.
"Não é correto a gente formar engenheiro, investir dinheiro e depois vir alguém aqui cooptar a gente. Então jogador e engenheiro nós estamos numa situação muito complicada, que nós vamos ter que discutir (...) a gente precisa discutir que não é honesto vir aqui e roubar nossos engenheiros, sem gastar um centavo para formá-los", afirmou.
Lula (PT) visitou a Embraer nesta sexta-feira (26), em São José dos Campos
Divulgação/Embraer
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Ainda durante o discurso, realizado ao lado do presidente da Embraer, ministros e trabalhadores, Lula disse que a contratação massiva de brasileiros pela Boeing é um assunto que será tratado junto com Geraldo Alckmin (PSB), vice-presidente e ministro do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
"Esse é um problema que eu e o Alckmin vamos discutir, envolver o ministro do trabalho. Não é que a gente queira proibir alguém de trabalhar lá fora, muito pelo contrário. Somos nós que gastamos dinheiro para formá-los. Então, esse país precisa de muita, muita educação, pra gente poder se transformar na nação que nós precisamos ser", concluiu.
Jjato comercial E175-E2 da Embraer.
Embraer/Divulgação
Após cancelar o acordo de fusão com a Embraer, a Boeing inaugurou um Centro de Engenharia e Tecnologia em São José dos Campos, no interior de São Paulo, mesma cidade onde fica a sede da Embraer. O escritório é um dos 15 que existem no mundo e é o segundo centro da empresa norte-americana no Brasil.
A Boeing não quis se manifestar. Em outros momentos, questionada sobre o caso, a empresa disse que "como uma empresa global, está comprometida em atrair e desenvolver os melhores talentos nos Estados Unidos e em todo o mundo para atender à demanda por nossos produtos e serviços aeroespaciais. Temos orgulho de nossa parceria de mais de 90 anos com o Brasil no fomento à inovação aeroespacial, à sustentabilidade e à segurança. O país possui um rico histórico de aviação, universidades técnicas de ponta e um forte ecossistema de engenharia. Esperamos continuar contribuindo com a indústria aeroespacial no Brasil".
Boeing
Divulgação/Boeing
Ação para barrar contratações
Em maio do ano passado, a Justiça Federal negou um pedido de liminar feito por associações da área aeronáutica, de defesa e segurança, para barrar a Boeing de fazer contratações massivas de engenheiros brasileiros.
O caso foi analisado pelo juiz federal Renato Barth Pires, da 3ª Vara Federal de São José dos Campos (TRF). Ele negou o pedido de liminar proposto pela Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE) e pela Associação das Industrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB) contra a Boeing Brasil Operações e a Boeing Brasil Serviços Técnicos Aeronáuticos.
Na ação, as associações pediam que a Boeing parasse de realizar contratações de engenheiros, de forma sistêmica, das Empresa Estratégicas de Defesa (EEDs) e das Empresas de Defesa (ED), que atuam no desenvolvimento de projetos estratégicos do Ministério da Defesa, como a Embraer, por exemplo.
Boeing 777X.
Reuters/Terray Sylvester
No documento, as associações pediam ainda que as contratações realizadas pela Boeing fossem limitadas ao teto anual de 0,6% dos quadros de cada uma das empresas brasileiras.
A ABIMDE e a AIAB alegam que os funcionários contratados pelas Boeings são provenientes de áreas de estratégia, e que isso pode representar perigo de vazamento de segredos industriais, passíveis de comprometimento da defesa e da soberania nacional.
No entanto, na decisão proferida em maio, o juiz diz que não há "prova muito clara dos fatos e dos propósitos indevidos das requeridas (Boeing)."
Na decisão, o juiz adverte que a União se posicionou como interessada -num primeiro momento o governo havia dito que não havia interesse na intervenção no feito - através do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, e não pelo Ministério da Defesa.
"Se os projetos de Defesa estão sob supervisão estrita da respectiva pasta, esta certamente seria a primeira a reconhecer os prejuízos que, em teoria, estariam sendo causados pela contratação sistemática de profissionais de engenharia por empresas estrangeiras", diz a sentença.
Vista da sede da Embraer, em São José dos Campos, interior de SP
Luis Lima Jr./Futura Press/Estadão Conteúdo
Na decisão, o juiz admite que provas extraídas de uma rede social pelas associações mostram que vários engenheiros graduados de empresas brasileiras, como Embraer e Avibras, foram efetivamente contratados pela Boeing, mas questiona até que ponto existe um interesse por trás dessas contratações ou se não há apenas uma disputa de mercado pelos profissionais, que acabam atraídos por salários mais atraentes.
"O que há por trás desse movimento de cooptação de profissionais? Uma simples aplicação das 'leis' do mercado de trabalho, simples 'oferta e procura'? Ou há um intuito deliberado de desmantelar a indústria aeronáutica brasileira, um tipo de "dumping trabalhista" às avessas?", disse o juiz.
"Além disso, deve-se convir que uma parte dos problemas narrados na inicial poderia ser resolvida com simples ajustes nos contratos de trabalho, com a inserção de cláusulas de confidencialidade e de não-concorrência e, evidentemente, com a instituição de uma política salarial e de incentivos compatível com o mercado", completou.
Justiça nega pedido de liminar proposta contra a Boeing
Por fim, o juiz destacou que deve haver cautela na limitação de contratação de trabalhadores, já que a livre concorrência é também um princípio que rege a economia e que informou que para restringir contratações é necessário provas dos prejuízos causados ao país.
"A intervenção judicial, quer para impedir, quer para limitar a contratação de trabalhadores, há de ser feita com muita cautela. A livre concorrência é também princípio regente da ordem econômica e, para que se possa estabelecer uma restrição dessa natureza, precisaria haver uma prova muito clara dos fatos e dos propósitos indevidos das requeridas, o que, até o momento, não se verificou", afirmou.
O processo corre em segredo de Justiça. Não há novas informações divulgadas sobre o processo desde a negativa de maio do ano passado.
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