G1 - PolÃtica
Inicialmente, o governo colaborava ativamente na elaboração da resolução. Porém, depois que o tema ganhou repercussão pública e gerou pressões políticas contrárias à medida, o governo recuou. Em votação realizada nesta segunda-feira (23), o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) aprovou uma resolução que estabelece diretrizes para o atendimento humanizado e especializado de crianças e adolescentes com direito ao aborto legal. Embora o tema tenha sido aprovado, os 13 representantes do governo no conselho votaram contra a medida. Os representantes da sociedade civil votaram a favor e garantiram a medida. O texto, que visa garantir o acesso ao procedimento em casos previstos pela legislação brasileira, agora aguarda publicação no "Diário Oficial da União" pelo Ministério dos Direitos Humanos, que tem cinco dias para cumprir o rito.A resolução não tem peso de lei. É um conjunto de diretrizes para orientar a tomada de decisões em casos de meninas que abortam. Inicialmente, o governo colaborava ativamente na elaboração da resolução. Porém, depois que o tema ganhou repercussão pública e gerou pressões políticas contrárias à medida, o governo recuou. Daí em diante, partiu uma orientação do governo para todos os ministérios rejeitarem a proposta. Ana Flor: Alvos de PEC contra aborto legal são mulheres e meninas de baixa rendaEm nota divulgada mais cedo, o governo, por meio do Ministério dos Direitos Humanos, afirmou que tinha sugerido mais tempo (pedido de vista) para analisar a resolução, em vez de votar o texto nesta segunda. Isso porque, segundo o governo, parecer da área técnica do ministério apontou que alguns pontos da resolução só poderiam constar em lei a ser aprovada pelo Congresso. "O parecer indicou, entre outros aspectos, que a minuta de Resolução apresentava definições que só poderiam ser dispostas em Leis — a serem aprovadas pelo Congresso Nacional, indicando a necessidade de aperfeiçoamento e revisão de texto, garantindo maior alinhamento ao arcabouço legal brasileiro", justificou o governo em nota.Mas, continua a nota, como o texto não foi retirado de votação, os representantes do governo votaram contra. "Embora o pedido de vistas seja direito de qualquer conselheiro previsto regimentalmente, o pedido foi colocado em votação e negado pelo Pleno do Conanda, e a resolução foi posta em votação e aprovada, apesar dos votos contrários de todos os representantes do governo", concluiu a nota.OposiçãoComo mostrou o blog da Andreia Sadi na semana passada, a análise da proposta movimentou figuras políticas e influenciadores conservadores, que se opuseram ao texto. Deputados do PL, como Nikolas Ferreira (MG) e Julia Zanatta (SC), criticaram publicamente a resolução. Ferreira afirmou que entraria com um mandado de segurança caso o texto fosse aprovado. Zanatta, por sua vez, apresentou um projeto de lei para restringir a atuação do Conanda em temas relacionados ao aborto.Diretrizes da resoluçãoA resolução aprovada detalha procedimentos para casos em que crianças e adolescentes manifestem interesse em realizar o aborto legal. Entre as diretrizes, destacam-se:Encaminhamento direto aos serviços de saúde sem necessidade de autorização prévia de responsáveis.Escuta especializada para vítimas de violência sexual, garantindo um ambiente respeitoso e seguro.Prioridade ao desejo da criança ou adolescente em casos de divergência com os responsáveis legais, com suporte da Defensoria Pública ou Ministério Público.Obrigatoriedade de comunicação de casos ao Conselho Tutelar, à autoridade sanitária e à polícia, sem que isso condicione a realização do procedimento.O texto também reforça que cada mesorregião deve ter ao menos um equipamento de saúde capaz de realizar o aborto legal, reduzindo a necessidade de transferências de município.Casos emblemáticos impulsionaram a discussãoA proposta surgiu em resposta a episódios recentes, como o de uma menina de 13 anos impedida de realizar o aborto após um acordo entre seu pai e o estuprador. Situações como essa evidenciam a necessidade de regulamentação clara para proteger os direitos das vítimas.Próximos passosCom a resolução aprovada, a sociedade civil e organismos internacionais esperam avanços na garantia de direitos para crianças e adolescentes. No entanto, o voto contrário dos representantes governamentais sinaliza desafios na implementação das medidas e expõe tensões entre diferentes setores da administração pública e do legislativo.A decisão marca mais um capítulo no embate entre forças conservadoras e progressistas em torno dos direitos reprodutivos no Brasil.